Com o Hillsborough Stadium, em Sheffield, lotado, 96 pessoas morreram e mais de 700 ficaram feridas. As feridas daquela página vivem até hoje. Só 20 anos depois as autoridades inglesas confessaram que a culpa pelas mortes não estão nas mãos da violência das torcidas de Liverpool e Nottingham Forest e sim, dos responsáveis pela superlotação do estádio.
Após o desastre, a Inglaterra passou por uma sensível mudança. Os estádios antes um antro de violência, hoje reúnem um dos públicos mais educados do mundo. Punições e conscientização caminharam juntas. E as 96 vítimas do Hillsborough vivem em cada rodada sem novas vítimas. Neste domingo (13), porém, os torcedores do Liverpool falecidos naquela fatídica semifinal da FA Cup, ajudaram os Reds a não caminhar sozinho na Premier League.
Todos os jogos profissionais no Reino Unido respeitaram seis minutos de vigília em respeito aos 96 de Hillsborough. As partidas começaram apenas no sétimo após os horários habituais. Ou seja, nada de jogo às 14h30 no horário local e sim às 14h37. Isso porque, em 1989, Liverpool x Nottingham foi encerrado às 15h06. O todo foi muito justo, bonito. Mas nada superou Anfield Road.
Homenagens no monumento, fora do estádio. Presença de grandes ídolos dos dois clubes. Antes do apito inicial, a torcida cantou You will never walk alone. Dona da própria canção criada pelos Beatles, as lendas de Liverpool, a torcida do lado vermelho de Merseyside trouxe às arquibancadas os 96 companheiros mortos em 1989. No minuto de silêncio, respeito. Inspiração. A atmosfera contagiou o ótimo time do Liverpool a massacrar o também ótimo Manchester City no primeiro tempo.

Marcação pressão na saída de bola, transição rápida para o ataque, carrinhos, divididas. A luta em demasia tinha uma razão clara. Líder da Premier League por pontos ganhos, os Reds recebiam o City, líder por pontos perdidos. Para depender apenas de si nas cinco rodadas finais, os Citiziens precisavam de um empate. O Liverpool de uma vitória. E o jogo foi gigante.
A garra dos Reds foi recompensada aos 5 minutos. Bolão de Luís Suarez e golaço de Sterling. Dois, dos três “S” do ataque funcionou. Sturridge jogou menos. Mas ajudou muito. A disposição dos dez jogadores de linha veio da motivação transmitida pelo técnico Brendan Rodgers. Mas era pelas 96 vítimas de Hillsborough que eles tinham a obrigação de transpirar sangue. No primeiro tempo, não foi só raça. Foram passes bonitos, de letra, de Coutinho e Gerrard. Foi a cabeçada linda de Gerrard defendida magistralmente por Joe Hart aos 25. Foi dos pés de Steven Gerrard, que outro “S” ampliou. Escanteio da esquerda e gol de Skrtel. Mais um gol do zagueiro. Mais um gol de bola parada. O leque de opções para matar o jogo seguiu com a pressão na saída de bola, as bolas paradas e os contra-ataques.
Pouco antes dos 2 a 0, o City ainda perdera Yaya Touré. Sem seu artilheiro e principal jogador, o clube de Manchester pouco ameaçou o Liverpool nos primeiros 40 minutos. Já a reta final mostrou que a ausência do marfinense poderia ser suprida. Primeiro, após escanteio, Sterling e Johnson tiraram, de cabeça, encima da linha. (na mesma jogada, incrível!). Em seguida, Fernandinho, mais avançado, chutou forte e Mignolet fez defesa gigante.

Um gol dos Citiziens poderia ceifar a chance de título do Liverpool. A chance de acabar com 24 anos de jejum. De pela primeira vez conquistar a Premier League (criada em 1992). Aos 20 minutos, Dzeko teve a chance, mas parou em Mignolet. Aos 32 minutos, a chance foi vermelha e o verde e amarelo Phillippe Coutinho não mostrou piedade. O furo de Kompany foi o presente para o brasileiro e o chute certeiro, no canto esquerdo de Hart, decretou a décima vitória seguida do Liverpool na competição. Uma vitória do sangue.
Do coração. Da alma de 96 vermelhos que não deixam o Liverpool caminhar sozinho desde 1989. Que ajudaram o capitão, Steven Gerrard, a cair em prantos após o apito final. “Foram os cinco minutos de acréscimo mais longos da minha carreira”, disse o camisa 8 em entrevista pós-jogo. Agora, vem aí os quatro jogos mais longos da vida de Gerrard. Norwich (fora), Chelsea (casa), Crystal Palace (fora) e Newcastle (casa). Este é o caminho para a história. O capitão quer levantar a taça da Premier League pela primeira vez. E ele já tem 96 empurrões prontos para garantir o feito. Entre eles, um primo do capitão que, desde os oito anos, enverga uma das camisas mais pesadas da Europa.
