"Eu não sou são paulino, mas gosto do Rogério Ceni". A frase é comum, e, em meio a um futebol moderno, retrata a marca que será alcançada pelo goleiro neste domingo. Não é raro torcedores, rivais do São Paulo que odeiam mais o goleiro do que o próprio São Paulo. Culpa de uma relação atípica em uma era de passagens meteóricas. De jogadores que não edificam uma identidade com um clube como antes. Por isso Ceni é diferenciado. E não julgo aqui a personalidade de Ceni. Não o conheço pessoalmente e, por isso, não posso dizer se é simpático, arrogante, humilde, prepotente. Retrato apenas sua carreira. Seus números.
Hoje Ceni completa 1.117 partidas com a camisa do São Paulo. Hoje, contra o Botafogo, Ceni ultrapassa Pelé. Ceni se torna o jogador que mais atuou a camisa de um clube no futebol mundial. Noel Balile, do norte-irlandês Linfield United, já foi ultrapassado faz tempo. Usando apenas os números como argumento, Ceni é o maior caso de fidelidade de um jogador a um clube no mundo. É o que ele decidiu ser. Enquanto outros preferiram o glamour europeu ou o dinheiro asiático, Ceni decidiu confundir, de vez, sua imagem a do São Paulo. Essa relação justifica a frase que inicia este texto.
Ceni é amado pela maio parte dos são paulinos. Ceni é odiado por muitos não são paulinos. e Ceni ainda retrata a fase áurea do São Paulo. No começo de sua carreira, integrou a equipe campeã bicampeã mundial na década de 90. Já no auge, foi peça fundamental no terceiro título. Ainda ganhou três brasileiros consecutivos. São 17 títulos. O que Ceni tem de taças, alguns atacantes consagrados tem de gols por uma equipe. Ceni já fez 873 jogos como capitão do São Paulo. São 873 cara-ou-caroa. Para se ter uma ideia, Ceni tem mais jogos como capitão do que Junior, o recordista de jogos pelo Flamengo (857).
Ceni tem 585 vitórias pelo São Paulo. Ceni tem 596 jogos na cidade de São Paulo. Ceni tem 539 jogos no Morumbi. Ceni tem 516 jogos em campeonatos brasileiros. Ceni tem 23 anos e dois meses de São Paulo. Uma vida. Uma vida dedicada a um clube. Não foi uma vida apenas de glórias. 281 derrotas em campo. Falhas individuais. Companheiros tecnicamente ruins. Times ruins. Times com compromisso inferior ao dele. Períodos de vacas magras, como entre 1995 e 2004. Títulos paulistas eram o ápice para o são paulino.
E em meio à tantos times ruins, Ceni era um dos raros que encarnava a camisa do São Paulo e mantinha vivo o orgulho do tricolor. Ceni já era ídolo antes de conquistar títulos importantes. Ceni já era contestado por rivais, antes de parar Gerrard, parar o Liverpool e garantir o título mundial em 2005. Neste ano, Ceni alcançou o ápice. Ganhou a América e o Mundo. Com defesas como esta, diante de Gerrard. Com 21 gols feitos e artilharia geral do São Paulo no ano. Sim, o goleiro foi o maior artilheiro do São Paulo em 2005, ano dos títulos mais importantes. Sao 113 gols feitos, em uma conta registrada. São mais de 1000 gols evitados, em uma conta impossível de guardar.
Ceni ainda tem uma rara capacidade de se reerguer. E em alta velocidade. A principal falha, na final da Libertadores de 2006, antecedeu uma de suas principais partidas. Três dias depois de errar contra o Internacional, pegou pênalti contra o Cruzeiro quando o jogo estava 2 a 0 contra. E ainda fez dois gols, evitando a derrota e iniciando uma reação que só parou em 2008, quando veio o tricampeonato brasileiro. Em 2010, quando perdeu seu único pênalti em decisões por pênatis, renasceu. Pegou as duas batidas do Universitário e graduou o São Paulo a fase seguinte. Em 2013, já aos 40 anos, quando muitos pediam sua aposentadoria, Ceni fez a maior partida de sua vida. Contra a Católica, seis grandes defesas. E como Ceni defende o São Paulo... como um torcedor. Como um torcedor que tem o privilégio de estar na melhor cadeira do Morumbi.
E hoje, no seu Morumbi, Ceni transforma sua relação com o São Paulo em um número absoluto. O que Ceni faz hoje era algo absurdamente comum nos anos 50, 60, 70 ou 80. Vestir de
forma centenária a camisa de um clube não fazia de nenhum jogador uma
aberração. Ou um M1TO. O futebol mudou. Hoje há festa para quem completa
50, 100 jogos. Não julgo, também, a falta de fidelidade entre jogador e
clube. Vivemos uma era profissional e cada um precisa ver o que é
melhor para si e sua família. O ritual dos jogadores é idêntico ao de
qualquer segmento econômico. E este retrato atual deve garantir que o recorde de hoje nunca mais seja alcançado. No mundo!