segunda-feira, 21 de maio de 2012

Entrevista: Ponta Dirceu Paulino fala de vôlei e políticas públicas



Por Lucas Valério
Para O Impacto


Aos 36 anos, Dirceu Paulino começa a ensaiar a aposentadoria das quadras, embora tenha assinado contrato para mais uma temporada, agora em Florianópolis. Mas quando decidir que é hora de parar, Dirceu garante que não ficará distante do esporte. Esbanjando conhecimento graças à vida profissional, o jogador que recentemente acertou seu retorno ao vôlei brasileiro para defender o Florianópolis falou com O Impacto. Cultura e principalmente planos de políticas públicas estão entre os assuntos abordados na entrevista a seguir:

ESPORTE E DESENVOLVIMENTO

Um dos maiores problemas em nosso país, de um modo geral, é a falta de preparo e vivência em competições de alto nível das pessoas que comandam e decidem no nosso esporte. As pessoas ainda veem o esporte como uma ferramenta puramente social, constroem quadrinhas nos bairros, pegam um cara para jogar meia dúzia de bolas para a criançada e largam lá. Em Suzano, por exemplo, a cidade respirava vôlei. Quando joguei lá, fui três anos para a Bélgica em um torneio de Natal. Eles escolhiam o time do Suzano mesmo quando não éramos campeões, porque tinha expressão, uma marca respeitada no exterior. E todo esse investimento da cidade no esporte fez com que ginásios, quadras fossem construídos com parcerias.

E os projetos para inserção de crianças e adolescentes surgiram. Isso tirou muita gente da criminalidade e do mundo das drogas, porque o esporte transmite conceitos importantes de honestidade, lealdade. Em Suzano as escolinhas de vôlei tiveram um crescimento de 300% após a visibilidade da equipe. Nós recebíamos da direção a incumbência de visitar escolas e passar nossas experiências para os alunos. E quando eles viam gente como o Giba, que só assistiam pela tevê, ficavam maravilhados. Por isso, insisto, é preciso políticas públicas voltadas ao esporte para alavancar não apenas mais profissionais nas diversas modalidades, mas criar uma sociedade melhor em todos os sentidos.

A ligação do esporte com o crescimento cultural dos jovens é absurdo. Eu não concluí o segundo colegial (segundo ano do Ensino Médio), meu único aprendizado de inglês foi no Monsenhor Nora e hoje, graças ao vôlei, falo inglês, italiano, espanhol com fluência e arranho no alemão. Além disso, morei em cinco países diferentes, visitei 34 e conheço pessoas em todo canto. Só não visitei o continente africano, mas graças ao esporte evoluí muito culturalmente”.

GESTÕES ATUAIS

“Há um erro na visão de quem comanda o esporte. Quem trabalha com isso tem que ter experiência nas competições de alto nível, para enxergar o esporte como um produto que pode gerar dinheiro para as empresas e, consequentemente, um ganho social para a comunidade. A desculpa é de que nunca há dinheiro para investir nessa ou naquela modalidade e continuam fazendo sempre as mesmas coisas, como o futebol amador. Claro que isso é legal, mas e a base? E nossas crianças e jovens? Aplicar recursos nas práticas esportivas significa que teremos adultos com mais saúde, distantes das drogas e dos crimes. Em uma gama de 50 crianças, talvez saia um Tande ou um Giba, mas os outros 49 terão aprendido muitos conceitos que o ajudarão para o resto da vida.

Pensar que esses outros 49 foram um prejuízo ao projeto é o grande erro. Com um projeto correto, o investimento no esporte, pode se chegar a uma grande empresa da cidade e oferecer descontos nos impostos se ela investir em projetos ligados ao atletismo, natação, vôlei, seja qual esporte for. Com certeza há inúmeras crianças e adolescentes esperando por uma oportunidade para se desenvolver em uma modalidade quem ela nem se identificou ainda, mas isso só vai acontecer se oferecerem isso a ela. Quantas crianças em bairros menos favorecidos de Mogi Mirim sabem que temos triatletas respeitadíssimos lá fora, que temos uma equipe de natação com meninos disputando torneios em nível nacional? Ninguém. E só temos esses destaques porque há muita gente lutando. Eu sei o quanto o Ivan Albano batalha para conseguir patrocínio e participar de competições pelo mundo afora.

O Ricardo Martiniano, professor de natação da Free Play, começou com uma piscininha pequena e hoje leva garotos para vários torneios no país. Se com essa luta praticamente isolada, individual e sem apoio da Prefeitura eles já conseguiram, imagina com um projeto forte. Quem administra o esporte vê ele de forma amadora, como um lazer e isso era há 40 anos talvez. Hoje ele é uma ótima fonte de renda e quem investe no esporte tem retorno em todos os sentidos. Fui três vezes campeão pela Cimed em Florianópolis e me tornei amigo pessoal do dono da empresa farmacêutica que dava o nome e comandava o clube. Ele me disse que os lucros antes do investimento no vôlei eram na casa dos milhões e que depois os bilhões. Só aí você um ganho. Por isso que Mogi Mirim deveria investir no esporte, e não apenas no vôlei. Vender espaços na camisa hoje é uma ótima fonte de renda. Veja o futebol. O Corinthians vende até na manga, se deixar vende espaço na gola da camisa.

Com uma equipe forte de basquete, por exemplo, jogando uma liga nacional, imagina o quanto não seria interessante para um Eaton ou outra empresa da cidade expor o nome dela lá. Isso é claro, sempre com contrapartidas no social, porque as equipes trabalhariam o desenvolvimento da base e incluiria crianças e adolescentes no projeto. Além disso, para as pessoas que gostam do esporte, receber na cidade um jogo contra o Rio de Janeiro por um torneio de Vôlei, jogar contra o Bernardinho e outras figuras que eles só podem ver pela televisão seria fantástico. E não fico preso só no vôlei, olha o futsal em Jaraguá do Sul (SC). A cidade é muito menor que Mogi, mas investiu no time e por várias temporadas o Falcão, melhor do mundo, jogou por lá e levou títulos para a cidade. Repito: não se pode pensar no modelo de gestão do esporte como lazer, ele é muito maior. Não se pode ficar preso a um Dia do Desafio, a prática esportiva tem de ser diária e o investimento nele mais constante”.

RECURSOS

“Eu gostaria muito de saber quanto o município recebe e gasta no esporte. Não posso garantir nada, mas às vezes dá a impressão de que gasta muito menos do que entra, porque não se vê nada voltado ao esporte na cidade. Às vezes temos aí 15 ou 30 Ivans, 20 ou 40 nadadores que podem competir de igual para igual com outras cidades e estão alienados ao esporte nas periferias, porque a prefeitura não dá a oportunidade para esse desenvolvimento”.

VEREADOR OU DIRETOR

“Às vezes passa pela cabeça ser candidato a vereador, mas acho que é algo remoto. Eu não seria muito bem aceito no meio político, porque o que eu tenho que opinar eu falo na cara, não sou muito adepto dessa maneira como fazem política, aprovando projetos para os amigos para depois ter o seu aprovado. Eu iria explicar os motivos de votar a favor ou contra e pronto. Quanto a ser diretor talvez seja menos remoto, mas mesmo assim difícil. Eu gostaria de ter autonomia, não ficar preso às mazelas e trabalhar em cima de um projeto grande para o desenvolvimento do esporte. Eu gostaria de fazer uma prestação de contas transparente de verdade e não como fazem por aí, posando para fotos com leis ou projetos que são pura e simplesmente obrigação. O correto seria apresentar diariamente a listagem dos gastos, seja com um grande equipamento ou com uma simples caneta”.


O COMEÇO DO DIRCEU

“Eu comecei a treinar com o Edson Queiróz, que é um exemplo de alguém que viveu no esporte de alto nível e montou uma escolinha de vôlei aqui em Mogi Mirim. Ele trabalhou no Lojicred, um time de São Paulo que disputou nacionais antigamente e aplicou o conhecimento dele por aqui. O cara quando participou do alto nível, não entra em um projeto só para fazer número, ele quer vencer. E disputei alguns torneios pelo antigo Deretur. Tinha ele, o Ricardo Martiniano, o Renan Neves e o Zé Colmeia na escola. E depois de alguns anos jogando aqui na cidade, surgiu a oportunidade, graças a essa visão profissional. Daí acabei construindo toda essa carreira”.

FIM DA CARREIRA

“Meu plano é concluir os estudos e depois fazer uma faculdade. Tenho uma dúvida entre administração e história, já que gosto muito. Mas como não quero sair muito do esporte, talvez eu faça administração e procure algo que envolva o vôlei, que é aquilo que eu conheço. Tenho tentado parar de jogar desde o ano passado, mas acaba surgindo alguma coisa e permaneço. Talvez esse ano seja meu último na Superliga, estou com 36 anos e ficar longe da minha família fica pior a cada ano. Tenho um filho de dois e outro de oito anos, eles sentem muito minha falta e quero estar mais presente. Quando cheguei da Suíça, nesse ano, conversei com minha esposa e defini que iria parar, mas veio uma proposta do Florianópolis e foi impossível recusar”.

ANÁLISE DA SUPERLIGA

“O Florianópolis não entrará como favorito, teremos uma equipe jovem, com poucos atletas rodados, mas foi assim quando cheguei na Cimed. Tinha apenas eu e o Douglas Chiarotti, que agora é meu treinador, e conseguimos levar o time ao título. Mas claro, se for para apostar, colocaria Rio de Janeiro, Sesi, Araçatuba e Cruzeiro como favoritos”.


FORÇA DA SUPERLIGA

“Alguns anos atrás algumas ligas estrangeiras eram muito fortes, como na Itália, e o sonho dos jogadores de vôlei por aqui era como no futebol. Sair e conquistar status e bons salários fora. Mas acho que de uns seis anos para cá a situação inverteu. Na Itália, por exemplo, há três times muito fortes, mas por aqui há dez. O cenário mudou. A Superliga Masculina de Vôlei é a primeira ou a segunda mais importante do mundo. Talvez dispute esta condição com a Rússia, que possui muitas equipes ricas”.

EXPERIÊNCIAS FORA

“Passei dois anos em Porto Rico, um país que gostei demais. Se eu pudesse encerrar minha carreira lá seria ótimo e talvez até morar com a família. É lugar muito legal, a população é calorosa, parece com os brasileiros. Como o país faz parte dos Estados Unidos, lá tem muito dos americanos, mas com o povo diferente, parecido com a gente e clima muito semelhante com o do Brasil. Parece uma Miami ‘abrasileirada’. Além de Porto Rico joguei um ano na Grécia, um ano na Rússia e outro na Suíça. Desses o pior foi a Rússia. Um país muito frio, o estilo de vida também é diferente demais. Para se ter uma ideia as famílias de Classe Média vivem muito mal. Se osbrasileiros reclamam da nossa diferença social, não viram o que é na Rússia. Lá quem é rico é bilionário e nem mesmo que é classe média tem uma vida confortável. O dono da equipe em que joguei o Lokomotiv é um exemplo. Ele é dono da malha ferroviária russa, comprou o time só para ser técnico e se divertir. Contratou muita gente boa, como o Hoff, um central americano que era um dos melhores do mundo na época e o presidente do time não ia nem nos treinos, aparecia poucas horas antes do jogo e comandava a equipe por puro capricho. Mas em compensação gostei muito da Grécia. Joguei em Atenas, no Olimpiakos, na época em que o Rivaldo jogava no time de futebol. Acho que por se tratar de uma cidade histórica, onde quase tudo que você toca tem mais de três mil anos e eu ser apaixonado por história, fez com que eu me identificasse com o lugar. Há um respeito com a histórica e com a cidade que não vimos por aqui”.

LEGADO DE UMA OLÍMPIADA

“Quando cheguei em Atenas foi pouco depois das Olímpiadas de 2004 e a cidade ainda usufruía de uma infraestrutura deixada pela competição. Acho que o principal legado foi no setor de transportes, porque tudo estava em ordem. Trens, ônibus, ciclovias, tudo funcionava perfeitamente. Acho que para o Brasil, que terá a Copa do Mundo e as Olímpiadas no Rio, a melhor herança será essa. Para o esporte talvez seja a Vila Olímpica, já que para qualquer competição haverá um lugar perfeito para recepcionar delegações, seja para disputas nacionais ou internacionais. O único problema no Brasil é a corrupção. Sempre há um jeito de faturar em alguma obra, imagina com eventos deste porte? Uma obra de R$ 300 milhões vai para R$ 800 milhões e ninguém questiona. A corrupção será o maior inimigo, porque há muitas pessoas de má índole na política”.

OLÍMPIADAS

“O Brasil está passando por uma fase de mudanças, a geração campeã de quase tudo nos primeiros anos do Bernadinho está aos poucos saindo, mas é claro que a seleção continua muito forte. Também dá para mencionar s EUA, que é um time muito forte taticamente e tecnicamente. A Rússia também é muito forte, tem jogadores altos, além da Itália e Cuba”.

PONTO ALTO

“Considero que tive uma carreira de sucesso e não consigo isolar uma conquista como ponto alto. Vencer a Superliga por cinco vezes foi algo muito importante. Quando fui o primeiro brasileiro a atingir a marcar dos dois mil pontos também foi significante, recebi uma placa alusiva à marca e aquilo teve uma representatividade muito grande”.

SELEÇÃO

“Consegui jogar na seleção brasileira, mas não tive uma sequência e infelizmente joguei pouco. Na época meu treinador no Suzano, o Ricardo Navajas me pressionou para pedir dispensa da seleção, disse que se eu fosse ele me tirava do clube e com esse problema acabei não ganhando uma continuidade”.

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